Sob a égide de um título insólito que sugere corpos cuja pele está esfacelada, apresenta-se um grupo de jovens artistas

aqui neste espaço. Sob diferentes abordagens o corpo mais ou menos tratado nos projetos aqui agrupados para fins de

interlocução com o público, está presente como engrenagem de reflexão, através do retrato, do cabelo, das linhas emaranhadas ou dispostas

em retas, das coleções, dos vagalumes, das fotografias e das inquietações pessoais. Os projetos apresentados dizem respeito a

certas intensidades e focos de interesse cujo patamar da visualidade atual é esfacelado, através de narrativas orais e interferências de ordem

desestabilizadora através da provocação, da sugestão e da troca pelo grupo em cada uma das apresentações; o fato de resultar num

aglomerado de imagens depõe a favor desta autorização dada pelo componente do mesmo para intervir no processo de elaboração e laboração da idéia

trazendo à tona outra possibilidade de leitura, de evocação, de olhar para um mais-além da grade que limita o campo de possíveis

alterações em função da opinião do outro.

Estes projetos estão em processo, o que está sendo apresentado aqui é uma das partes do esfacelamento cotidiano sob o qual o artista opera.



(...)

Adriana dos Santos

quarta-feira, 23 de junho de 2010

intervenção s/ retrato

A verdade parece residir agora no trauma: no corpo como anteparo dessa ferida; num corpo-cadáver que é visto como uma protoescritura que testemunha o trauma. Nessa nossa cultura fascinada pelo trauma estabelece-se uma nova ética e estética da representação. A fotografia concebida não na sua definição metafísica de espelho do real, ou romântica transformação do real, mas sim como "traço de um real", deve ser tomada como um ideal da arte do trauma. A fotografia assim concebida não seria nem um ícone nemum símbolo do real, mas sim um índice do mesmo: assim como a fumaça é um indício do fogo, a sombra indica uma presença, a cicatriz é a marca de uma ferida ou a ruína um traço do passado.
Texto do livro: O local da Diferença. Seligmann - Silva, Marcio. Editora 34, 2005. p 43.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Linhas

Na trivialidade cotidiana dos dias, onde tempos presentes vão passa(n)do corriqueiramente numa espécie de diversidade circunscrita à possibilidade habitual das coisas, nossa “sociabilidade” com as máquinas se tornou cada vez mais “normal”. Elas estão por toda parte, em nossa convivência. Ser “civilizado” na contemporaneidade, me arrisco a dizer, é ter certa competência/habilidade com as maquinas, para através disso bem servir a “humanidade”. E elas servem bem, até demais, tornando o trabalho humano cada vez mais obsoleto em vista do custo-benefício. Cria-se, então, uma massa de desempregados que, impossibilitados de trabalhar por falta de vaga (na civilização) vive à margem, pois todo o seu saber-fazer se restringe às possibilidades que o sistema capitalista te coloca como possibilidade.
É preciso servir para algo, ser útil para humanidade, seguir uma tradição onde a figura do mártir ainda é posta como exemplo. Aquele que se sacrifica por todos. Ideal este que ainda hoje alimenta revoluções extremistas, totalitarismos, segregação, pré-conceitos e dor. Ora, querer mudar um sistema e impor outro a “toda” humanidade, para o bem de todos, não é uma atitude redundante? A verdadeira revolução é a revolução de todos os dias, do cotidiano, de pequenas minações, destruições e criações, que se enredando aqui e ali, lá e mais além, puxando um pouco aqui, rasgando ali do outro lado. Uma revolução feita em âmbito microscópico, deixando os limites ali expostos à reflexão.
Os limites de que falo aqui são os perímetros postos pela civilização ocidental, contornando seu desenho atual, mas que provém de várias temporalidades e espaços. Toda uma mentalidade, um sistema de valores, de perspectivas, de previsões... Mecanismos de perpetuação, de continuação, de repetição de tradições, imagens. Certa linearidade onde se desenham teias. Cada pessoa pode tecer a sua parte e tal, mas também podem rasgar, destruir, abrir um buraco, começar a desfiação...
As máquinas são exemplares nesse serviço de perpetuação. Elas foram feitas, pelo menos a maioria delas, para fazer movimentos repetitivos. Repete, repete, repete. Reproduz, reproduz. Claro, nem sempre reproduz as mesmas coisas, mas reproduz da mesma maneira(que é sua habilidade especifica) todas as coisas. Mas a “reprodução” não garante a igualdade das coisas que se reproduzem. Assim não poderíamos falar em re-produção, mas em produção em série.
Mas essa produção em série, mesmo tendo suas pequenas diferenciações na semelhança entre si, apresenta, na trivialidade cotidiana dos dias, alguns exemplares de diferenciação extrema. Movimentos, atitudes reivindicadoras das maquinas? Acaso? Defeito? Chamem o técnico para arrumar...
Foi assim que nasceram as linhas e espaços pretos de minhas folhas brancas A4. De um erro? Talvez. A repetição leva à diferenciação. Quanto mais forte for propensão à homogeneização, maior será a tendência a criação de linhas de fuga. No meu caso, literalmente. E depois, eu mesma, fotocopiei essas “linhas de fuga”, que foram criando outras linhas, outros espaços em preto e branco sempre.
Linhas perdidas no espaço. Que vem de um não sei quê e vão pra não sei onde, num movimento silencioso e cego no meio do nada. Dão a idéia de um intenso devir, um vir-a-ser constante, que brota do nada, do buraco, do ponto, e que num movimento continuo, mais ou menos acelerado, torna a linha possível, esse vestígio do brotar. Brotar esse que não foi idealizado, mas que veio a ser sem intenção. Ao mesmo tempo caminho e limiar, trilhos...de um trem que talvez nunca passará. Num vazio tão grande, cheio de nada. Nada preto e nada branco. Silêncio.
Será talvez a tentativa de falar da maquina? Linguagem estranha feita de linhas. De linhas e de vazio.
Ou o grito sufocado de uma amnésia humana. Que por medo de perder, repete, copia, multiplica as mesmas coisas, objetos e lembranças. Colocando suas mentes e pensamentos num baú, guardado num porão de casa, usando esses suportes e impressões quando convém. Essa é a lógica da multiplicação de fotocópias: o medo de perder a memória e esquecer de “tudo”, ou seja, sua identidade.
E no entanto as linhas atravessam a folha, sem respeitar nada nem ninguém. Não são lembrança de nada, não dizem nada, e no entanto...saem da maquina, nascem dela sem explicação. Atravessando os textos com um pouco de esquecimento.
O vazio pode significar mil estados e condições. Segundo Roland Barthes “temos uma idéia um pouco química do vazio”, como ausência. Para ele o vazio seria o novo[1]. Ou o que gera, do não-ser para o vir a ser, aquela sensação de inacabado, de não dito.
Uma harmoniosa melodia de linhas perturbantes. Por que me fascinaram? Por que não as joguei fora? E ficaram um bom tempo ali por entre os textos cotidianos, aparecendo-me como espectros de uma lembrança inaudita. Me vinham aos olhos e os deixavam perplexos...nada podia esperar delas além daquele silencio angustiante. Tentei dá-las, ninguém as quis, folhas brancas e linhas apenas, ninguém as quis...
Talvez não fossem elas, as linhas ou as folhas A4, que fossem silenciosas, talvez fosse(e ainda sou) eu quem não as entenderia, que não soubesse lê-las, decifrá-las. Não me lembram nada, não fazem parte de passado algum, talvez nem queiram falar nada mesmo. Como linhas falariam?
E fico a olhá-las, esperando alguma visão, abstraio a mente e me perco no preto das linhas, e salto no abismo do branco.
[1] BARTHES, Roland. O rumor da língua.p,84.

estação



Estação: s.f. Lugar onde param trens, ônibus, navios. / Cada uma das quatro divisões do ano. / Período no qual dominam certos estados da atmosfera. / Época em que se faz uma plantação, uma colheita.